sexta-feira, 27 de março de 2009

Olhinhos de Gato




“O assoalho que os outros pisam indiferentes, tem, no entanto, suas paisagens secretas. É porque ninguém contempla muito as linhas e as cores da madeira. Algumas, na verdade, são lisas, da mesma cor, em tons de pele humana – amareladas, róseas, morenas. Outras, porem, encerram desenhos tais que, olhando-se para dentro delas, poder-se-ia dispensar qualquer lugar do mundo. A princípio parecem apenas riscos, sem nenhuma significação. Mas pouco a pouco se observa que há ondulações de águas, praias, montanhas, um estremecimento de pássaros, florestas densas, que escurecem – logo um súbito jorro de estrelas e de luas, borboletas infinitas adelgaçam as asas riquíssimas, e santos de mãos postas pairam por cima de encrespadas nuvens... Há um outro mundo, no assoalho que se pisa indiferente. [...]
Há outros mundos, também, noutras coisas esquecidas; nas cores do tapete, que ora se escondem ora reaparecem, caminhando por direções secretas. As pessoas de pé, olhando de longe e de cima, pensam que tudo são flores, grinaldas de flores...flores... Mas Olhinhos de Gato bem sabe que ali há noites, dias, portas, jardins, colinas, plantas e gente encantada, indo e vindo e virando o rosto para lhe responder, quando ela chama...
Por isso é tão bom andar pelo chão, como os gatos e as formigas. Por baixo das mesas e das cadeiras reina uma frescura que a madeira conserva como a sombra que projetou no tempo em que foi árvore. “O assoalho que os outros pisam indiferentes, tem, no entanto, suas paisagens secretas. É porque ninguém contempla muito as linhas e as cores da madeira. Algumas, na verdade, são lisas, da mesma cor, em tons de pele humana – amareladas, róseas, morenas. Outras, porem, encerram desenhos tais que, olhando-se para dentro delas, poder-se-ia dispensar qualquer lugar do mundo. A princípio parecem apenas riscos, sem nenhuma significação. Mas pouco a pouco se observa que há ondulações de águas, praias, montanhas, um estremecimento de pássaros, florestas densas, que escurecem – logo um súbito jorro de estrelas e de luas, borboletas infinitas adelgaçam as asas riquíssimas, e santos de mãos postas pairam por cima de encrespadas nuvens... Há um outro mundo, no assoalho que se pisa indiferente. [...]
Há outros mundos, também, noutras coisas esquecidas; nas cores do tapete, que ora se escondem ora reaparecem, caminhando por direções secretas. As pessoas de pé, olhando de longe e de cima, pensam que tudo são flores, grinaldas de flores...flores... Mas Olhinhos de Gato bem sabe que ali há noites, dias, portas, jardins, colinas, plantas e gente encantada, indo e vindo e virando o rosto para lhe responder, quando ela chama...
Por isso é tão bom andar pelo chão, como os gatos e as formigas. Por baixo das mesas e das cadeiras reina uma frescura que a madeira conserva como a sombra que projetou no tempo em que foi árvore. É desse lado que se pode ver como certas coisas são feitas: recortes, parafusos, encaixes, pedaços de cola... É desse lado que as coisas são naturais e verdadeiras, como nós, quando nos despimos.”

- Acabo de ler OLHINHOS DE GATO, de Cecília Meireles. Não vou fazer uma análise de texto aqui né...rsrs... mas este é um dos trechos que mais me chamaram atenção, por causa do exemplo simples que foi usado (as imagens-vida observadas na madeira do assoalho)e modo como ela fala das "paisagens secretas" - aquelas que existem porém só são percebidas se observadas através de um olhar profundo, interiorizado, contemplativo.
Como lemos acima: "É desse lado que se pode ver como certas coisas são feitas(...). É desse lado que as coisas são naturais e verdadeiras, como nós, quando nos despimos.”


A propósito, o desenho da capa não se parece comigo?!?!?!??!?!?!?!

sexta-feira, 13 de março de 2009

Presente para os amigos



(Esta semana nem deu pra escrever nada, mas depois volto com mais calma. Mesmo assim, não poderia deixar de me fazer presente de outra forma, com criatividade...Bjocas a todos e paz ao coração!)

quinta-feira, 5 de março de 2009

Construção - Des.construção - Re.construção





É sempre necessário olhar-nos a nós mesmo com um novo olhar. A realidade e o momento presente sempre nos oferecem inúmeras possibilidades de ser e reagir. Pode ser um erro, um chacoalhão, um choque, um acerto, um gozo, enfim, qual vida estaria isenta de dramas e escolhas? Mesmo que o coração anseie coisas mais altas, é preciso sempre voltar os pés para realidade.
Em nossa caminhada estamos sempre a construir. É quase impossível permanecermos inertes: com nossos sonhos, anseios, sentimentos e percepções construímos pontes, construímos muros, construímos castelos. Muitas vezes construímos na areia. Imagens que figuram como se fossem a realidade. Quero dizer que inúmeras vezes substituímos a realidade pela imagem - moldada às nossas convicções e anseios - que temos dela. Neste caso é preciso des.construir para poder acolher o real. É preciso des.construir o “ideal” que fazemos de Deus para que Ele se faça realmente presente, para que o acolhamos tal qual Ele é, tal qual se revelou na pessoa de Cristo; é preciso des.construir o ideal que fazemos das pessoas para que elas possam ser quem realmente são e assim termos certeza que as amamos (ou não) verdadeiramente; é preciso des.construir a imagem ideal que temos de nós para abraçar a realidade com seus limites e imperfeições poder re.construí-la nos seus verdadeiros moldes: à imagem e semelhança de Deus.

Isto é desafio! Dói, exige, constrange. Porém a verdade nos compele, sempre...

Ao longo do percurso poderemos cantar com o coração livre e feliz, parafraseando Cecília Meirelles: "aprendi com as primaveras a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira".

quarta-feira, 4 de março de 2009

Sobre o amor




Pessoas, estava aqui a pensar na frase da Clarice Lispector:
"Mas há a vida que é para ser intensamente vivida, há o amor. Que tem que ser vivido até a última gota.Sem nenhum medo. Não mata."
Tá bom Clarice, não mata! Mas dói um bocado. Por isso as vezes dá um meeeeeedo na gente...

(o quadrinho acima é do blog "Bichinhos de Jardim". Nasceu para abrigar o maravilhoso e inteligente trabalho da cartunista petropolitana Clara Gomes. Eu sou fã e recomendo!!! visitem: http://bichinhosdejardim.com/)

Remexendo no baú de dores



Ontem o dia estava pesado e difícil - por dentro - Sentia-me frágil como uma folha ao vento, com um soluço preso na garganta e o peito apertado...
Remexer em nosso "baú de dores" nunca é fácil. É preciso muito equilíbrio e maturidade para não deixar que os fantasmas da nossa memória tumultuem o momento presente, que realmente é um presente, um dom de Deus para nós. Fato é que podemos deixar esses fantasmas (escondidos no castelo de nossa memória afetiva)tomarem corpo e vida, e pior, tomarem a nossa própria vida, roubando-nos a alegria, liberdade e vivacidade. Como é fácil nos deixar levar por uma ventania de impressões, de medos, de inseguranças que NA GRANDE MAIORIA DAS VEZES NEM SÃO REAIS, existem apenas na nossa imaginação, nos nossos registros interiores.
É preciso coragem para encará-los de frente e paciência para esperar que eles se dissipem através de um profundo e verdadeiro processo de auto-conhecimento, de superação e de amor próprio (não egoísmo, que só reforça a auto-piedade e inércia interior, mas amor-próprio verdadeiro, nascido da experiência de quem se conhece, quem "toca" com as mãos a própria miséria e ainda assim se sabe amado por Deus.

Chegou-me este texto da Lya, como um abraço. Consolo para dias gris...Deo gracias...

"Canção na plenitude

Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)

O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias."

O texto acima foi extraído do livro "Secreta Mirada", Editora Mandarim - São Paulo, 1997, pág. 151.